domingo, 3 de novembro de 2019

Entrevista com Dieter Baumann, neto de C. G. Jung

Entrevista com o Neto de Carl.G Jung



Por Luciano Colella - analista junguiano em São Paulo e presidente
do Instituto de Estudos de Psicologia Analítica

(Fonte: Jornal "Folha de São Paulo", 08 de junho de 1991)


"O que mais me impressiona em Carl Gustav Jung é a capacidade que teve de suportar os opostos em si mesmo". Decorridos 30 anos da morte de um dos pioneiros da psicanálise, completados no dia 06 de junho de 1991, o jornal "Folha de São Paulo" entrevistou Dieter Baumann, 64 anos, neto de Jung. Sendo neto ele o conheceu não como "o príncipe herdeiro do império freudiano", tampouco como "o velho sábio de Zurique". Em entrevista exclusiva, Baumann conta lembranças de sua infância, que revelam uma face íntima do avô.
Folha - Qual a primeira lembrança que você tem de seu avô?

Dieter Baumann -
A primeira lembrança que tenho dele é de quando ele tinha 58 anos e eu 5 ou 6, acho. Eu e mais alguns meninos estávamos em Shafuza, em um grande jardim que era da minha bisavó, tentando fazer um condutor, um tubo, com as hastes de dentes-de-leão. Queríamos que a água corresse através da tubulação e tentávamos encaixar este longo tubo, de vários metros, na bica. Claro que não dava certo. A pressão da água expulsava o tubo.
Fizemos várias tentativas. Aí chegou Jung, perguntou o que estávamos tentando fazer e, quando nós explicamos, pegou o tubo, colocou-o dentro de um tanque que havia debaixo da bica, sugou pela outra ponta e depois que a água chegou, pôs a outra ponta do tubo para fora e abaixo do nível da água e a água começou a escorrer. Em outras palavras ele fez um sifão. Assim ele salvou a nossa brincadeira.

Folha - Isto é muito interessante, porque simbolicamente a água é associada com freqüência aos conteúdos do inconsciente e à energia psíquica.

Baumann -
Exatamente por isso que me deve ter vindo à mente. Isto me leva a uma outra lembrança. Quando eu tinha oito anos, estava passando férias com ele em Bolinggen e lá fora, perto da torre, ele tinha um sistema fluvial de rios em miniatura. Ele cavou uma região encharcada e encontrou algumas pequenas fontes. Escavou então pequenos canais por onde a água destas fontes pudesse correr. Como eram várias fontes, acabou formando um verdadeiro sistema fluvial em miniatura que ele manteve e cuidou por muito tempo. Marie-Louise Von Franz chamava essas atividades do Jung de "waterworks" (trabalhos com água). Uma outra lembrança também associada aos canais é de quando eu já tinha 20 anos. Eu o estava ajudando na manutenção deles. É claro que, às vezes devido à movimentação, a água ficava muito turva. Nesse dia, porém, havia um dos afluentes que estava com a água particularmente límpida. Esta água límpida ao entrar na turva criava um des enho muito bonito, uma espécie de nebulosidade, mas límpida. Então eu disse a ele: "Olhe para isto", e apontei-lhe o desenho. Ele olhou e disse: "sim, isto é influência" (influir). Estas lembranças levaram-me a perceber uma das suas características marcantes que era esta união do pensamento concreto e abstrato com o simbólico.
Folha – Jung continuou seu trabalho intelectual até o fim da vida?
Baumann - Bem, praticamente o último trabalho que ele escreveu foi o seu artigo em "O homem e seus símbolos" e isto foi cerca de dois meses antes de morrer. Lembro-me dele nesses dias, escrevendo no terraço da sua casa.
Folha - E sobre a relação de Jung com Freud, você se recorda de algum comentário que ele tenha feito?
Baumann - Lembro-me apenas de que ele me contou uma vez que, quando escreveu "Transformações e Símbolos da Libido" - posteriormente passou a se chamar "Símbolos da Transformação" -, ele sabia que este livro lhe teria custado a amizade de Freud. Ele tinha comentado isto com minha avó. Isso o desgostou muito mas ele tinha que escrever aquele livro.
Folha - O que você lembra do interesse de Jung em relação à parapsicologia?
Baumann - Estes assuntos não lhe interessavam por si mesmos. O seu interesse voltava-se para o significado destes fatos, fazia parte de um interesse mais geral pelas relações entre o corpo e a alma. Em particular através da sua descoberta da sincronicidade, na qual, digamos a realidade física e a realidade espiritual se encontram.
Por exemplo, lembro-me de um fato muito interessante que ele contou que ilustra bem o seu tipo de interesse. Jung estava em Bollingen com Hans Kuhn. Estavam andando fora da torre, conversando. Jung teve um pensamento no qual concluía que o cristianismo não pode vencer o paganismo e vice-versa, e que ambos teriam que morrer para que se criasse algo novo que contivesse os dois e fosse além dos dois. Nesse exato momento encontraram uma cobra morta. Ela tentara comer um peixe muito grande e ficara sufocada. Assim o peixe (que é uma alegoria tradicional do cristianismo) matou a cobra, e a cobra (que é do paganismo) matou o peixe. Isto aconteceu em 1935, 15 anos antes de escrever o seu trabalho sobre a sincronicidade.

Folha - Depois de ter sido fundado o Instituto Jung, como ele via o movimento da psicologia junguiana?
Baumann - Sei que ele não se sentia muito contente que o colocassem num pedestal. Marie-Louise von Franz disse-me uma vez que Jung não queria fundar uma escola e nem ter seguidores mas sentia-se muito satisfeito se o seu trabalho pudesse estimular outras pessoas a se dedicarem ao seu próprio trabalho criativo.
Folha - Uma agressão a Jung que de vez em quando vem à tona é a que o acusa de um suposto anti-semitismo. O que você diria a respeito?
Baumann - Isto é terrível. Continuam sempre insistindo nisso. Existe um livro escrito por E. A. Bennet, "O que Jung realmente disse", no qual ele esclarece definitivamente toda esta questão. Assim, se alguém insiste nisto certamente não está de boa fé. Claro que Jung observou o nazismo como fenômeno psíquico. Posso dar um testemunho pessoal a respeito. Lembro-me de que quando estourou a guerra, no dia 1º de setembro de 1939, estávamos em Bolningen e fomos chamados por uns vizinhos que tinham um rádio, para ouvir aquele discurso demagógico de Hitler. Lembro-me de como Jung ficou profundamente indignado e irritado e expressou isso de um modo muito claro. Lembro também claramente de como ele, durante as refeições, comentava o que estava acontecendo na política e sempre se expressou de uma forma claramente antinazista. Sei também que ele ajudou muitos judeus na época. Ele fez um seminário na Alemanha, em 1935, no qual se lê, nas e ntrelinhas, claramente a sua posição contrária ao que acontecia.
Folha - A psicologia junguiana não estaria adquirindo uma dimensão cada vez mais escolástica?
Baumann - Sim, é verdade. Mas eu sempre vejo aqui e acolá pequenos grupos não-oficiais que se formam. Eu já dizia 30 anos atrás que a psicologia junguiana deveria ir para as catacumbas. Fui muito criticado por causa disto porque, por um lado, parece importante que seja difundida, mas quando se vê o uso que algumas pessoas fazem dela, é muito triste. Eu tenho o privilégio de poder me comunicar com vários pequenos grupos deste tipo. Creio que quando conseguimos estas trocas, não oficiais, sem pretensões institucionais, então teremos algo positivo. Mas creio que também quando há instituições as coisas poderiam ir bem se as pessoas envolvidas percebessem que isto é um compromisso com o mundo. Mas tão logo se acredite que esta instituição é uma coisa em si mesma, então isto vai mal.

Folha - O que mais o impressiona na obra de Jung?
Baumann - Neste momento, digamos que é a capacidade que teve de suportar os opostos em si mesmo. Aceitando o sofrimento da guerra interna é que se cria a possibilidade de contribuir para a paz. Diria que um dos grandes méritos de Jung foi o de ter reintroduzido no Ocidente o pensamento antinômico, já que, se alguém suporta os opostos em si mesmo, permanece consciente, e assim, serve à completude. Senão, a outra metade é projetada no inimigo, dando início às guerras. Jung diz que se alguém tem um conflito profundo, o importante é tentar participar dos dois polos do conflito, e assim lentamente poderá vir à tona um novo símbolo que os reunirá, ou estará acima ou abaixo dos dois polos. É a lógica de alguém que renuncia à prepotência de querer apossar-se do mistério, pois, se se tentar simplificar as coisas, identificando-se com um dos polos, ocorrerá a dissociação. É exatamente quando se aceita a dilaceração do conflito é que o ri sco de uma dissociação é menor. Eu diria que a dilaceração é o oposto da dissociação.




Por : Clinica Ceres

domingo, 28 de julho de 2019

O SUPEREGO FREUDIANO E A REAÇÃO ÉTICA DA PSIQUE HUMANA JUNGUIANA


Jung então discute em extensão o problema do conceito freudiano de superego, isto é, a explicação freudiana a respeito de sentimentos de culpa, consciência pesada e tendências éticas no homem. Jung descobre que isto coincide com o que ele chama de código moral coletivo que em nossa sociedade se combina com a tradição religiosa patriarcal judaico-cristã. Em casos individuais esse código pode funcionar em parte inconscientemente, acarretando toda espécie de sentimentos de culpa e complicações, inibições ou motivações para agir, o que é resumido pelos freudianos como sendo o
fenômeno do superego.

Nesse sentido, nós junguianos não negamos o fenômeno, pois ele existe e é o código moral coletivo que tanto pode ser reconhecido conscientemente pelo indivíduo, como pode exercer uma pressão inconsciente ou semi-inconsciente sobre suas motivações.

Mas, num exame mais minucioso, esse superego parece ser uma formação histórica e por isso não responsável pelo problema ético como um todo, mas somente por uma parte. Em outras palavras, o que Jung chama de REAÇÃO ÉTICA DA PSIQUE HUMANA não é idêntico ao que os freudianos chamam de SUPEREGO. Pelo contrário, os dois conceitos podem até colidir e se opor. Jung expressa o ponto de vista de que estamos sob a pressão de dois fatores: a do código coletivo ético, que varia de nação para nação e, geralmente, dita nosso comportamento ético, e a de um impulso moral pessoal, que é individual e não coincide com o código coletivo. Naturalmente, quando ambos os fatores coincidem, torna-se difícil diferenciá-los.

Suponhamos, por exemplo, que você esteja furioso com uma pessoa, com vontade de matá-la, mas você reconhece que em condições normais, isso é algo que você pessoalmente não poderia fazer. Será que é este o código geral coletivo falando dentro de você, ou será seu próprio lado ético pessoal, seu próprio sentimento que o impede? Num caso assim não podemos fazer uma distinção. Pessoalmente, pode-se dizer que mesmo que não existisse nenhum observador, polícia ou código moral, não se faria tal coisa, mas isso é difícil de provar. O fato é que você não pode fazê-lo porque algo dentro de si o proíbe, e isso é tudo. O fato de esses dois fatores, o impulso pessoal a uma reação ética e o código moral, não serem idênticos, só é óbvio quando existe a chamada colisão de deveres. Como vocês sabem, Jung diz que realmente não é difícil saber o que se deve fazer, desde que não haja colisão de deveres. A dificuldade surge quando o que quer que se faça é meio certo e meio errado, sempre com um aspecto parcialmente errado. Um problema típico é aquele com que se defronta um médico que não sabe se deve ou não contar ao paciente que está com um carcinoma. Se não conta a verdade, mente, mas se provocar um choque mortal no paciente poderá causar-lhe um grande mal — e então, o que fazer? O código moral não responde a tal pergunta. Alguns colegas dirão que não se deve jamais contar, outros que se deveria falar a verdade, que a longo prazo o choque seria melhor. Mas não existe nenhuma regra ética geral e aí está a colisão de deveres: o de contar a verdade e o de poupar o paciente.

Através de exemplos infindáveis desse tipo e outros mais complicados, subitamente nos damos conta de que o código ético não é a única regra para o nosso comportamento.

Em certos casos, mesmo que haja uma resposta clara a respeito do que se deve fazer, podemos ter um sentimento forte de que fazê-lo seria imoral para nós. Então ficamos num mato sem cachorro e daí percebemos que realmente existem duas coisas que ditam o comportamento humano: o código ético coletivo que também podemos chamar de superego freudiano e a reação moral pessoal do indivíduo. A última, que às vezes coincide com o código coletivo, geralmente é conhecida como a voz de Deus: os romanos a chamariam de “genius”, Sócrates diria “meu daimon” e os índios Naskapi, da península do Labrador, a chamariam de “Mistap'eo”, o grande homem que vive no coração de cada um. Em outras palavras, é uma figura que poderíamos chamar de arquétipo do Self, o centro Divino da psique que em outras culturas naturalmente adquire nomes e conotações diferentes. Se esse fenômeno surge dentro de nós, geralmente temos um estranho sentimento de certeza com relação ao que fazer, não importando o que o código coletivo possa dizer a respeito. Em geral a voz não somente diz o que fazer mas inclusive cria uma convicção pela qual o indivíduo poderá até morrer, como aconteceu a Sócrates e a vários mártires cristãos.

Se essa voz interior ditar algo excessivamente nobre, na linha do código ético coletivo, então ninguém se preocupará mas achará incrível, maravilhoso, correto, heróico e assim por diante. Infelizmente, porém, na vida prática, como vemos todos os dias no trabalho de análise, esta voz de Deus, ou instinto interior, pode às vezes ditar algo absolutamente chocante.


MARIE-LOUISE VON FRANZ - A SOMBRA E O MAL NOS CONTOS DE FADA

domingo, 14 de julho de 2019

A Natureza da Psique



POR QUE EU NÃO ME CURO Dr. JUNG?

" Como médico não sou,naturalmente,atingido diretamente por estas questões universais;é de doentes que devo me ocupar. Até o presente a Medicina tem alimentado o preconceito de que se pode e se deve tratar e curar a doença;mas em tempos mais recentes ergueram-se vozes autorizadas,considerando essa opinião errada e preconizando o tratamento não da doença,mas do doente. Esta exigência também se impõe no tratamento dos males psíquicos. Volvemos cada vez mais nossa atenção da doença visível para o indivíduo como um todo,pois chegamos à conclusão de que precisamente o mal psíquico não consiste em fenômenos localizados e estreitamente circunscritos,mas,pelo contrário,estes fenômenos em si apresentam sintomas de uma atitude errônea da personalidade global. Por isto não podemos jamais esperar uma cura completa de um tratamento limitado à doença em si mesma,mas tão somente de um tratamento da personalidade como um todo.
Lembro-me a este propósito,de um caso muito instrutivo;tratava-se de um jovem extremamente inteligente que,depois de estudar acuradamente a literatura médica especializada,tinha elaborado uma análise circunstanciada de sua neurose. Trouxe-me ele o resultado de suas reflexões sob a forma de monografia clara e precisa,notavelmente bem escrita e,por assim dizer,pronta para ser impressa. Pediu-me que lesse o manuscrito e lhe dissesse o motivo pelo qual ele ainda não havia se curado,quando,segundo seus julgamentos científicos ,já deveria realmente estar. Tive lhe dizer,depois da leitura,que se fosse apenas o caso de compreender a estrutura causal da sua neurose,ele deveria incontestavelmente estar curado,de seus males. Desde, porém,que ele não estava,achava eu que isto se devia a algum erro fundamental de sua atitude para com a vida,erro que fugia à sintomatologia de sua neurose. Durante a anamnese,tive a atenção despertada pelo fato de que ele passava muitas vezes o inverno em Saint-Moritz,ou em Nice. Perguntei-lhe quem pagava as despesas dessas estadias e acabei sabendo que era uma pobre professora que o amava e tirava de sua boca o sustento diário para garantir essas vilegiaturas de nosso jovem. Era nessa falta de consciência que estava a causa da neurose e da enfermidade e,por isto mesmo,a ineficácia de sua compreensão científica. Seu erro fundamental residia,aqui, numa atitude moral. O paciente achou que minha opinião nada apresentava de científica porque a moral nada teria a ver com a ciência. Acreditava ele que podia,em nome do pensamento científico,eliminar uma imoralidade que,no fundo,ele próprio não suportava e não admitia também que se tratasse de um conflito,pois aquela que o amava lhe dava esse dinheiro por livre e espontânea vontade.
Podemos fazer as considerações científicas que quisermos a este respeito,mas o fato é que a imensa maioria dos seres civilizados simplesmente não tolera semelhante comportamento. A atitude moral é um fator real com o qual o psicólogo deve contar se não quer incorrer nos mais tremendos erros."

A natureza da psique >>>>>>>>>>>>>> Carl Jung.

AB-REAÇÃO, ANÁLISE DOS SONHOS E TRANSFERÊNCIA

UM RAPAZ VEIO AO CONSULTÓRIO E CONTOU-ME O SEGUINTE SONHO:
"Meu pai sai de casa em seu carro novo. Dirige pessimamente mal e me irrito demais com com isso. O pai ziguezagueia com o carro, de repente dá marcha à ré, coloca o carro em situações perigosas, e vai chocar-se enfim contra um muro. O carro fica seriamente danificado. Grito, furioso, que preste atenção no que faz. Aí meu pai ri, e vejo que ele está completamente bêbado".
Nenhum fato real ocorrera que pudesse justificar o sonho. O sonhador me garante que seu pai, mesmo embriagado, jamais se comportaria daquela maneira. Ele mesmo é automobilista, extremamente cuidadoso, moderado em matéria de bebidas alcoólicas, sobretudo quando dirige; pode irritar-se tremendamente com "barbeiragens" e com pequenos estragos no carro. Seu relacionamento com o pai é positivo. Admira-o por ser um homem excepcionalmente bem-sucedido. Mesmo sem possuir grandes dons interpretativos, é possível constatar que a imagem do pai no sonho não é das mais favoráveis. Que sentido, então, tem este sonho para o filho? Como responder esta pergunta? Sua relação com o pai será boa só na aparência? Será que na realidade se trata apenas de resistências supercompensadas? Se assim fosse, teríamos que dar ao sonho um sinal positivo, isto é, teríamos que dizer: "Esta é sua relação verdadeira com seu pai". Acontece que na realidade não foi constatada nenhuma ambiguidade neurótica na relação real do filho com o pai. Assim sendo, não se justificaria, seria até um descalabro terapêutico, sobrecarregar os sentimentos do rapaz com um pensamento tão destrutivo.
Mas se a sua relação com o pai é realmente boa, então por que este sonho inventa artificialmente uma história tão inverossímil, a fim de desacreditar o pai? No inconsciente do sonhador deve existir uma tendência que produza um sonho desse tipo. Será que é assim porque o rapaz tem mesmo resistências, devido à inveja ou outros sentimentos de inferioridade? Antes de lhe pôr este peso na consciência - o que sempre é arriscado quando se trata de pessoa jovem e sensível - é preferível perguntar, não "POR QUE ", mas "PARA QUE" ele teria tido esse sonho. Neste caso, a resposta seria a seguinte: o seu inconsciente quer obviamente desvalorizar o pai. Considerando essa tendência como uma realidade compensatória, somos levados a admitir que a sua relação com o pai não é apenas boa, mas boa até demais. Efetivamente, o rapaz é um "filhinho de papai". O pai ainda representa garantia demais em sua vida e o sonhador ainda se encontra naquela fase da vida que chamo de provisória. É até um grande perigo, pois de tanto pai, pode não enxergar a sua própria realidade. E, por este motivo, o inconsciente LANÇA MÃO DE UMA BLASFÊMIA ARTIFICIAL para rebaixar o pai e valorizar o sonhador. Uma imoralidade daquelas! Um pai pouco esclarecido protestaria. Mas é, sem dúvida alguma, uma compensação astuciosa, que impele o filho a uma oposição ao pai, sem a qual nunca chegaria à consciência de si mesmo.
Esta última era a interpretação correta. Deu bons resultados, isto é, obteve o assentamento espontâneo do rapaz, sem que nenhum dos valores reais, seja do pai, seja do filho, tivesse sido prejudicado. Uma tal interpretação, no entanto, só foi possível graças a uma investigação meticulosa de toda a fenomenologia consciente da relação pai-filho. Sem tomar conhecimento da situação consciente, o verdadeiro sentido do sonho teria ficado no ar.

C. G. JUNG - AB-REAÇÃO, ANÁLISE DOS SONHOS E TRANSFERÊNCIA

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sexta-feira, 5 de julho de 2019

ADQUIRINDO O SENTIDO DA EXISTÊNCIA NO ENCONTRO COM O SELF

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(Onde encontrar os grandes sábios da vida e do mundo que não apenas se limitem a falar do sentido da existência, mas que também possuem?).

Numerosos pacientes cultos se recusam categoricamente a procurar um teólogo. Quanto ao filósofo, nem sequer querem ouvir falar a respeito. A história da Filosofia os deixa frios e o intelectualismo em que vivem mergulhados se lhes afigura mais desolador do que um deserto. Onde encontrar os grandes sábios da vida e do mundo que não apenas se limitem a falar do sentido da existência, mas que também possuem? Aliás não se pode imaginar qualquer sistema ou verdade que tragam ao doente aquilo de que necessita para a vida, a saber, a crença, a esperança, o amor e o conhecimento. Estas quatro conquistas supremas do esforço e das aspirações humanas são outras tantas que não podem ser ensinadas nem aprendidas, nem dadas ou tomadas, nem retiradas ou adquiridas, pois estão ligadas a uma condição irracional que foge ao árbitrio humano, isto é, à experiência viva que se teve. Ora, é completamente impossível fabricar tais experiência. Elas ocorrem, não de modo absoluto, mas infelizmente de modo relativo. Tudo o que podemos, dentro de nossas limitações humanas, é tentar um caminho de aproximação rumo a elas. Há caminhos que nos conduzem à proximidade das experiências, mas deveríamos evitar de dar a estas vias o nome de "MÉTODOS", pois isto age de maneira esterilizante sobre a vida e, além disto, a trilha que leva a uma experiência vivida não consiste em um artifício, mas em uma empresa arriscada que exige o esforço incondicional de toda a personalidade.
A necessidade terapêutica conduz-nos, assim, a uma questão e ao mesmo tempo a um obstáculo aparentemente insuportável. Como poderemos ajudar a alma enferma a pôr-se a caminho da experiência libertadora, a partir da qual germinarão os quatro grandes carismas (crença, esperança, amor e conhecimento) que deverão curar a doença? Pleno de boas intenções, o médico talvez chegue a aconselhar ao doente: "Deverias ter verdadeiro amor, ou verdadeira fé, ou ainda empenhar-se em conhecer-te a ti mesmo". Mas onde vai o doente encontrar aquilo que, precisamente, só poderá receber depois do tratamento?
Saulo não deve sua conversão nem ao amor verdadeiro, nem a verdadeira fé, nem a uma verdade qualquer; só o seu ódio aos cristãos o fez pôr-se a caminho de Damasco e o conduziu àquela experiência que devia tornar-se decisiva para toda a sua vida. Ele viveu o seu maior erro com convicção, e foi isto precisamente que nele determinou a experiência vivida.

"Saulo, Saulo, por que me persegues? E ele disse: Quem és, Senhor? E disse o Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu persegues. (At 9:4-5)."

C. G. JUNG - ESCRITOS DIVERSOS 11/6

CARAVAGGIO - COVERSIONE DI SAN PAOLO
C.G. Jung, o Velho Sábio

O ESPÍRITO MERCURIUS



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"Hermes, senhor do mundo, que mora no coração, círculo da lua, redondo e quadrado, inventor das palavras da língua, obediente à justiça, que veste a clâmide e calça sandálias aladas, guardião da língua altissonante, profeta para os mortais..." (Papyri Graecae Magicae II, p. 139).




O CONTO DO ESPÍRITO NA GARRAFA 


A minha contribuição ao simpósio sobre Hermes consiste numa tentativa de provar que o deus mutável e dado a intrigas não morreu de modo algum com o declínio da Antiguidade; continuou vivo com disfarces estranhos através dos séculos, até tempos recentes, mantendo o homem perplexo diante de suas artes enganadoras e de seus dons curativos. Sim, ainda é narrado às crianças aquele conto de Grimm, "O Espírito na Garrafa", eternamente vivo como todos os contos de fada, e que contém a quintessência e o sentido mais profundo do mistério hermético, tal como chegou a nossos dias.

ERA UMA VEZ um podre camponês. Tinha um filho único e desejava que ele fizesse estudos superiores. Como só pudesse enviá-lo à universidade com uma quantia diminuta, o dinheiro foi consumido muito tempo antes da época dos exames. Então o rapaz voltou para casa e começou a ajudar o pai a trabalhar na floresta. Certo dia, na hora de repouso após o almoço, pôs-se a perambular pela floresta até chegar a um antiquíssimo carvalho de grande porte. Ouviu então uma voz que saía do chão, chamando: "Me solta, me solta!" O menino cavou entre as raízes da árvore e encontrou uma garrafa bem fechada; sem dúvida era dela que saíra a voz. Ele tirou a rolha e um espírito saiu da garrafa, logo atingindo a metade da altura do carvalho. O espírito dirigiu-se ao menino e disse: "Eu fui trancado por castigo. Sou o poderosíssimo Mercurius; e agora devo quebrar o pescoço de quem me soltou". O rapaz ficou apavorado e num instante urdiu um estratagema. "Qualquer pessoa - disse ele a Mercurius - poderia afirmar que estivera preso na garrafa. Mas teria que provar isso". O espírito então entrou de novo na garrafa. O rapaz mais que de pressa fechou-a, e o espírito ficou de novo aprisionado. Prometeu então ao rapaz uma recompensa se este o soltasse de novo. O rapaz concordou e soltou-o, ganhando um pedaço de pano. Passou em seu machado trincado, e este transformou-se em pura prata. Pôde assim ser vendido por quatrocentos taler (moedas). Desse modo, pai e filho ficaram livres de todas as preocupações. O rapaz continuou seus estudos e graças ao pano acabou por tornar-se um médico famoso.

C. G. JUNG - ESTUDOS ALQUÍMICOS

MERCURIUS NA CÚPULA DO CAPITÓLIO DO ESTADOS UNIDOS

A ANTECIPAÇÃO EM SONHOS DA RELAÇÃO ENTRE PACIENTE E TERAPEUTA


Resultado de imagem para SONHOS JUNGExistem os numerosos sonhos de início de terapia que nem tocam na etiologia, mas sim em questões bem diferentes, como, por exemplo, o relacionamento com o médico. Para ilustrá-los, vou relatar três sonhos que uma mesma paciente teve ao iniciar sua terapia com três analista diferentes.

Primeiro sonho: "Tinha que atravessar a fronteira do país; não encontro essa fronteira em parte alguma e ninguém é capaz de me dizer onde fica".
Este tratamento foi interrompido pouco depois de iniciado, por não ter dado resultado algum.

Segundo sonho: "Tinha que atravessar a fronteira. A noite está escura e não consigo encontrar a alfândega. Depois de procurar por muito tempo, descubro uma luzinha a grande distância e presumo que a fronteira é ali. Mas, para chegar até lá, tenho que atravessar um vale e uma floresta muito escura. Nisso perco o meu rumo. Percebo então a presença de alguém. Está pessoa me agarra, de repente, feito doida. Acordo amedrontada".
Este tratamento foi interrompido. Não durou mais que umas poucas semanas, por ter ocorrido uma identificação inconsciente entre o analista e a analisanda, o que provocou a sua total desorientação.

Terceiro sonho foi no início do tratamento comigo: "Tenho que atravessar uma fronteira. Aliás, já me encontro do outro lado, dentro do edifício da alfândega Suíça. Estou apenas com uma bolsa e acredito que nada tenho a pagar. Acontece que o funcionário da alfândega mete sua mão dentro da minha bolsa e, para maior espanto meu, tira de dentro dois colchões inteiros".
A paciente casou-se durante o tratamento comigo. Antes de começar, tinha as maiores resistências ao casamento. A etiologia das resistências neuróticas só se tornou visível vários meses depois. Nesses sonhos iniciais não havia referência a ela. Os mesmos eram antecipações e previam as dificuldades que encontraria com cada um dos terapeutas.
Que esses sonhos sirvam para mostrar que muitas vezes eles são antecipações e que, se são observados por um enfoque puramente causalista, podem perder seu verdadeiro sentido. Eles dão uma informação inequívoca sobre a situação analítica, que, quando captada corretamente, pode ser do maior valor terapêutico.
O médico n° 1, ao identificar corretamente a situação, encaminhou a paciente ao médico n° 2. Nesta segunda tentativa, a paciente tirou suas próprias conclusões do sonho e resolveu deixá-lo. Devo dizer que a minha interpretação a decepcionou, mas o fato de que, no sonho, ela já havia atravessado a fronteira, ajudou-a decisivamente a perseverar, apesar de todas as dificuldades.
C. G. JUNG - AB-REAÇÃO, ANÁLISE DOS SONHOS E TRANSFERÊNCIA 16/2



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