domingo, 28 de julho de 2019

O SUPEREGO FREUDIANO E A REAÇÃO ÉTICA DA PSIQUE HUMANA JUNGUIANA


Jung então discute em extensão o problema do conceito freudiano de superego, isto é, a explicação freudiana a respeito de sentimentos de culpa, consciência pesada e tendências éticas no homem. Jung descobre que isto coincide com o que ele chama de código moral coletivo que em nossa sociedade se combina com a tradição religiosa patriarcal judaico-cristã. Em casos individuais esse código pode funcionar em parte inconscientemente, acarretando toda espécie de sentimentos de culpa e complicações, inibições ou motivações para agir, o que é resumido pelos freudianos como sendo o
fenômeno do superego.

Nesse sentido, nós junguianos não negamos o fenômeno, pois ele existe e é o código moral coletivo que tanto pode ser reconhecido conscientemente pelo indivíduo, como pode exercer uma pressão inconsciente ou semi-inconsciente sobre suas motivações.

Mas, num exame mais minucioso, esse superego parece ser uma formação histórica e por isso não responsável pelo problema ético como um todo, mas somente por uma parte. Em outras palavras, o que Jung chama de REAÇÃO ÉTICA DA PSIQUE HUMANA não é idêntico ao que os freudianos chamam de SUPEREGO. Pelo contrário, os dois conceitos podem até colidir e se opor. Jung expressa o ponto de vista de que estamos sob a pressão de dois fatores: a do código coletivo ético, que varia de nação para nação e, geralmente, dita nosso comportamento ético, e a de um impulso moral pessoal, que é individual e não coincide com o código coletivo. Naturalmente, quando ambos os fatores coincidem, torna-se difícil diferenciá-los.

Suponhamos, por exemplo, que você esteja furioso com uma pessoa, com vontade de matá-la, mas você reconhece que em condições normais, isso é algo que você pessoalmente não poderia fazer. Será que é este o código geral coletivo falando dentro de você, ou será seu próprio lado ético pessoal, seu próprio sentimento que o impede? Num caso assim não podemos fazer uma distinção. Pessoalmente, pode-se dizer que mesmo que não existisse nenhum observador, polícia ou código moral, não se faria tal coisa, mas isso é difícil de provar. O fato é que você não pode fazê-lo porque algo dentro de si o proíbe, e isso é tudo. O fato de esses dois fatores, o impulso pessoal a uma reação ética e o código moral, não serem idênticos, só é óbvio quando existe a chamada colisão de deveres. Como vocês sabem, Jung diz que realmente não é difícil saber o que se deve fazer, desde que não haja colisão de deveres. A dificuldade surge quando o que quer que se faça é meio certo e meio errado, sempre com um aspecto parcialmente errado. Um problema típico é aquele com que se defronta um médico que não sabe se deve ou não contar ao paciente que está com um carcinoma. Se não conta a verdade, mente, mas se provocar um choque mortal no paciente poderá causar-lhe um grande mal — e então, o que fazer? O código moral não responde a tal pergunta. Alguns colegas dirão que não se deve jamais contar, outros que se deveria falar a verdade, que a longo prazo o choque seria melhor. Mas não existe nenhuma regra ética geral e aí está a colisão de deveres: o de contar a verdade e o de poupar o paciente.

Através de exemplos infindáveis desse tipo e outros mais complicados, subitamente nos damos conta de que o código ético não é a única regra para o nosso comportamento.

Em certos casos, mesmo que haja uma resposta clara a respeito do que se deve fazer, podemos ter um sentimento forte de que fazê-lo seria imoral para nós. Então ficamos num mato sem cachorro e daí percebemos que realmente existem duas coisas que ditam o comportamento humano: o código ético coletivo que também podemos chamar de superego freudiano e a reação moral pessoal do indivíduo. A última, que às vezes coincide com o código coletivo, geralmente é conhecida como a voz de Deus: os romanos a chamariam de “genius”, Sócrates diria “meu daimon” e os índios Naskapi, da península do Labrador, a chamariam de “Mistap'eo”, o grande homem que vive no coração de cada um. Em outras palavras, é uma figura que poderíamos chamar de arquétipo do Self, o centro Divino da psique que em outras culturas naturalmente adquire nomes e conotações diferentes. Se esse fenômeno surge dentro de nós, geralmente temos um estranho sentimento de certeza com relação ao que fazer, não importando o que o código coletivo possa dizer a respeito. Em geral a voz não somente diz o que fazer mas inclusive cria uma convicção pela qual o indivíduo poderá até morrer, como aconteceu a Sócrates e a vários mártires cristãos.

Se essa voz interior ditar algo excessivamente nobre, na linha do código ético coletivo, então ninguém se preocupará mas achará incrível, maravilhoso, correto, heróico e assim por diante. Infelizmente, porém, na vida prática, como vemos todos os dias no trabalho de análise, esta voz de Deus, ou instinto interior, pode às vezes ditar algo absolutamente chocante.


MARIE-LOUISE VON FRANZ - A SOMBRA E O MAL NOS CONTOS DE FADA

domingo, 14 de julho de 2019

A Natureza da Psique



POR QUE EU NÃO ME CURO Dr. JUNG?

" Como médico não sou,naturalmente,atingido diretamente por estas questões universais;é de doentes que devo me ocupar. Até o presente a Medicina tem alimentado o preconceito de que se pode e se deve tratar e curar a doença;mas em tempos mais recentes ergueram-se vozes autorizadas,considerando essa opinião errada e preconizando o tratamento não da doença,mas do doente. Esta exigência também se impõe no tratamento dos males psíquicos. Volvemos cada vez mais nossa atenção da doença visível para o indivíduo como um todo,pois chegamos à conclusão de que precisamente o mal psíquico não consiste em fenômenos localizados e estreitamente circunscritos,mas,pelo contrário,estes fenômenos em si apresentam sintomas de uma atitude errônea da personalidade global. Por isto não podemos jamais esperar uma cura completa de um tratamento limitado à doença em si mesma,mas tão somente de um tratamento da personalidade como um todo.
Lembro-me a este propósito,de um caso muito instrutivo;tratava-se de um jovem extremamente inteligente que,depois de estudar acuradamente a literatura médica especializada,tinha elaborado uma análise circunstanciada de sua neurose. Trouxe-me ele o resultado de suas reflexões sob a forma de monografia clara e precisa,notavelmente bem escrita e,por assim dizer,pronta para ser impressa. Pediu-me que lesse o manuscrito e lhe dissesse o motivo pelo qual ele ainda não havia se curado,quando,segundo seus julgamentos científicos ,já deveria realmente estar. Tive lhe dizer,depois da leitura,que se fosse apenas o caso de compreender a estrutura causal da sua neurose,ele deveria incontestavelmente estar curado,de seus males. Desde, porém,que ele não estava,achava eu que isto se devia a algum erro fundamental de sua atitude para com a vida,erro que fugia à sintomatologia de sua neurose. Durante a anamnese,tive a atenção despertada pelo fato de que ele passava muitas vezes o inverno em Saint-Moritz,ou em Nice. Perguntei-lhe quem pagava as despesas dessas estadias e acabei sabendo que era uma pobre professora que o amava e tirava de sua boca o sustento diário para garantir essas vilegiaturas de nosso jovem. Era nessa falta de consciência que estava a causa da neurose e da enfermidade e,por isto mesmo,a ineficácia de sua compreensão científica. Seu erro fundamental residia,aqui, numa atitude moral. O paciente achou que minha opinião nada apresentava de científica porque a moral nada teria a ver com a ciência. Acreditava ele que podia,em nome do pensamento científico,eliminar uma imoralidade que,no fundo,ele próprio não suportava e não admitia também que se tratasse de um conflito,pois aquela que o amava lhe dava esse dinheiro por livre e espontânea vontade.
Podemos fazer as considerações científicas que quisermos a este respeito,mas o fato é que a imensa maioria dos seres civilizados simplesmente não tolera semelhante comportamento. A atitude moral é um fator real com o qual o psicólogo deve contar se não quer incorrer nos mais tremendos erros."

A natureza da psique >>>>>>>>>>>>>> Carl Jung.

AB-REAÇÃO, ANÁLISE DOS SONHOS E TRANSFERÊNCIA

UM RAPAZ VEIO AO CONSULTÓRIO E CONTOU-ME O SEGUINTE SONHO:
"Meu pai sai de casa em seu carro novo. Dirige pessimamente mal e me irrito demais com com isso. O pai ziguezagueia com o carro, de repente dá marcha à ré, coloca o carro em situações perigosas, e vai chocar-se enfim contra um muro. O carro fica seriamente danificado. Grito, furioso, que preste atenção no que faz. Aí meu pai ri, e vejo que ele está completamente bêbado".
Nenhum fato real ocorrera que pudesse justificar o sonho. O sonhador me garante que seu pai, mesmo embriagado, jamais se comportaria daquela maneira. Ele mesmo é automobilista, extremamente cuidadoso, moderado em matéria de bebidas alcoólicas, sobretudo quando dirige; pode irritar-se tremendamente com "barbeiragens" e com pequenos estragos no carro. Seu relacionamento com o pai é positivo. Admira-o por ser um homem excepcionalmente bem-sucedido. Mesmo sem possuir grandes dons interpretativos, é possível constatar que a imagem do pai no sonho não é das mais favoráveis. Que sentido, então, tem este sonho para o filho? Como responder esta pergunta? Sua relação com o pai será boa só na aparência? Será que na realidade se trata apenas de resistências supercompensadas? Se assim fosse, teríamos que dar ao sonho um sinal positivo, isto é, teríamos que dizer: "Esta é sua relação verdadeira com seu pai". Acontece que na realidade não foi constatada nenhuma ambiguidade neurótica na relação real do filho com o pai. Assim sendo, não se justificaria, seria até um descalabro terapêutico, sobrecarregar os sentimentos do rapaz com um pensamento tão destrutivo.
Mas se a sua relação com o pai é realmente boa, então por que este sonho inventa artificialmente uma história tão inverossímil, a fim de desacreditar o pai? No inconsciente do sonhador deve existir uma tendência que produza um sonho desse tipo. Será que é assim porque o rapaz tem mesmo resistências, devido à inveja ou outros sentimentos de inferioridade? Antes de lhe pôr este peso na consciência - o que sempre é arriscado quando se trata de pessoa jovem e sensível - é preferível perguntar, não "POR QUE ", mas "PARA QUE" ele teria tido esse sonho. Neste caso, a resposta seria a seguinte: o seu inconsciente quer obviamente desvalorizar o pai. Considerando essa tendência como uma realidade compensatória, somos levados a admitir que a sua relação com o pai não é apenas boa, mas boa até demais. Efetivamente, o rapaz é um "filhinho de papai". O pai ainda representa garantia demais em sua vida e o sonhador ainda se encontra naquela fase da vida que chamo de provisória. É até um grande perigo, pois de tanto pai, pode não enxergar a sua própria realidade. E, por este motivo, o inconsciente LANÇA MÃO DE UMA BLASFÊMIA ARTIFICIAL para rebaixar o pai e valorizar o sonhador. Uma imoralidade daquelas! Um pai pouco esclarecido protestaria. Mas é, sem dúvida alguma, uma compensação astuciosa, que impele o filho a uma oposição ao pai, sem a qual nunca chegaria à consciência de si mesmo.
Esta última era a interpretação correta. Deu bons resultados, isto é, obteve o assentamento espontâneo do rapaz, sem que nenhum dos valores reais, seja do pai, seja do filho, tivesse sido prejudicado. Uma tal interpretação, no entanto, só foi possível graças a uma investigação meticulosa de toda a fenomenologia consciente da relação pai-filho. Sem tomar conhecimento da situação consciente, o verdadeiro sentido do sonho teria ficado no ar.

C. G. JUNG - AB-REAÇÃO, ANÁLISE DOS SONHOS E TRANSFERÊNCIA

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sexta-feira, 5 de julho de 2019

ADQUIRINDO O SENTIDO DA EXISTÊNCIA NO ENCONTRO COM O SELF

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(Onde encontrar os grandes sábios da vida e do mundo que não apenas se limitem a falar do sentido da existência, mas que também possuem?).

Numerosos pacientes cultos se recusam categoricamente a procurar um teólogo. Quanto ao filósofo, nem sequer querem ouvir falar a respeito. A história da Filosofia os deixa frios e o intelectualismo em que vivem mergulhados se lhes afigura mais desolador do que um deserto. Onde encontrar os grandes sábios da vida e do mundo que não apenas se limitem a falar do sentido da existência, mas que também possuem? Aliás não se pode imaginar qualquer sistema ou verdade que tragam ao doente aquilo de que necessita para a vida, a saber, a crença, a esperança, o amor e o conhecimento. Estas quatro conquistas supremas do esforço e das aspirações humanas são outras tantas que não podem ser ensinadas nem aprendidas, nem dadas ou tomadas, nem retiradas ou adquiridas, pois estão ligadas a uma condição irracional que foge ao árbitrio humano, isto é, à experiência viva que se teve. Ora, é completamente impossível fabricar tais experiência. Elas ocorrem, não de modo absoluto, mas infelizmente de modo relativo. Tudo o que podemos, dentro de nossas limitações humanas, é tentar um caminho de aproximação rumo a elas. Há caminhos que nos conduzem à proximidade das experiências, mas deveríamos evitar de dar a estas vias o nome de "MÉTODOS", pois isto age de maneira esterilizante sobre a vida e, além disto, a trilha que leva a uma experiência vivida não consiste em um artifício, mas em uma empresa arriscada que exige o esforço incondicional de toda a personalidade.
A necessidade terapêutica conduz-nos, assim, a uma questão e ao mesmo tempo a um obstáculo aparentemente insuportável. Como poderemos ajudar a alma enferma a pôr-se a caminho da experiência libertadora, a partir da qual germinarão os quatro grandes carismas (crença, esperança, amor e conhecimento) que deverão curar a doença? Pleno de boas intenções, o médico talvez chegue a aconselhar ao doente: "Deverias ter verdadeiro amor, ou verdadeira fé, ou ainda empenhar-se em conhecer-te a ti mesmo". Mas onde vai o doente encontrar aquilo que, precisamente, só poderá receber depois do tratamento?
Saulo não deve sua conversão nem ao amor verdadeiro, nem a verdadeira fé, nem a uma verdade qualquer; só o seu ódio aos cristãos o fez pôr-se a caminho de Damasco e o conduziu àquela experiência que devia tornar-se decisiva para toda a sua vida. Ele viveu o seu maior erro com convicção, e foi isto precisamente que nele determinou a experiência vivida.

"Saulo, Saulo, por que me persegues? E ele disse: Quem és, Senhor? E disse o Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu persegues. (At 9:4-5)."

C. G. JUNG - ESCRITOS DIVERSOS 11/6

CARAVAGGIO - COVERSIONE DI SAN PAOLO
C.G. Jung, o Velho Sábio

O ESPÍRITO MERCURIUS



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"Hermes, senhor do mundo, que mora no coração, círculo da lua, redondo e quadrado, inventor das palavras da língua, obediente à justiça, que veste a clâmide e calça sandálias aladas, guardião da língua altissonante, profeta para os mortais..." (Papyri Graecae Magicae II, p. 139).




O CONTO DO ESPÍRITO NA GARRAFA 


A minha contribuição ao simpósio sobre Hermes consiste numa tentativa de provar que o deus mutável e dado a intrigas não morreu de modo algum com o declínio da Antiguidade; continuou vivo com disfarces estranhos através dos séculos, até tempos recentes, mantendo o homem perplexo diante de suas artes enganadoras e de seus dons curativos. Sim, ainda é narrado às crianças aquele conto de Grimm, "O Espírito na Garrafa", eternamente vivo como todos os contos de fada, e que contém a quintessência e o sentido mais profundo do mistério hermético, tal como chegou a nossos dias.

ERA UMA VEZ um podre camponês. Tinha um filho único e desejava que ele fizesse estudos superiores. Como só pudesse enviá-lo à universidade com uma quantia diminuta, o dinheiro foi consumido muito tempo antes da época dos exames. Então o rapaz voltou para casa e começou a ajudar o pai a trabalhar na floresta. Certo dia, na hora de repouso após o almoço, pôs-se a perambular pela floresta até chegar a um antiquíssimo carvalho de grande porte. Ouviu então uma voz que saía do chão, chamando: "Me solta, me solta!" O menino cavou entre as raízes da árvore e encontrou uma garrafa bem fechada; sem dúvida era dela que saíra a voz. Ele tirou a rolha e um espírito saiu da garrafa, logo atingindo a metade da altura do carvalho. O espírito dirigiu-se ao menino e disse: "Eu fui trancado por castigo. Sou o poderosíssimo Mercurius; e agora devo quebrar o pescoço de quem me soltou". O rapaz ficou apavorado e num instante urdiu um estratagema. "Qualquer pessoa - disse ele a Mercurius - poderia afirmar que estivera preso na garrafa. Mas teria que provar isso". O espírito então entrou de novo na garrafa. O rapaz mais que de pressa fechou-a, e o espírito ficou de novo aprisionado. Prometeu então ao rapaz uma recompensa se este o soltasse de novo. O rapaz concordou e soltou-o, ganhando um pedaço de pano. Passou em seu machado trincado, e este transformou-se em pura prata. Pôde assim ser vendido por quatrocentos taler (moedas). Desse modo, pai e filho ficaram livres de todas as preocupações. O rapaz continuou seus estudos e graças ao pano acabou por tornar-se um médico famoso.

C. G. JUNG - ESTUDOS ALQUÍMICOS

MERCURIUS NA CÚPULA DO CAPITÓLIO DO ESTADOS UNIDOS

A ANTECIPAÇÃO EM SONHOS DA RELAÇÃO ENTRE PACIENTE E TERAPEUTA


Resultado de imagem para SONHOS JUNGExistem os numerosos sonhos de início de terapia que nem tocam na etiologia, mas sim em questões bem diferentes, como, por exemplo, o relacionamento com o médico. Para ilustrá-los, vou relatar três sonhos que uma mesma paciente teve ao iniciar sua terapia com três analista diferentes.

Primeiro sonho: "Tinha que atravessar a fronteira do país; não encontro essa fronteira em parte alguma e ninguém é capaz de me dizer onde fica".
Este tratamento foi interrompido pouco depois de iniciado, por não ter dado resultado algum.

Segundo sonho: "Tinha que atravessar a fronteira. A noite está escura e não consigo encontrar a alfândega. Depois de procurar por muito tempo, descubro uma luzinha a grande distância e presumo que a fronteira é ali. Mas, para chegar até lá, tenho que atravessar um vale e uma floresta muito escura. Nisso perco o meu rumo. Percebo então a presença de alguém. Está pessoa me agarra, de repente, feito doida. Acordo amedrontada".
Este tratamento foi interrompido. Não durou mais que umas poucas semanas, por ter ocorrido uma identificação inconsciente entre o analista e a analisanda, o que provocou a sua total desorientação.

Terceiro sonho foi no início do tratamento comigo: "Tenho que atravessar uma fronteira. Aliás, já me encontro do outro lado, dentro do edifício da alfândega Suíça. Estou apenas com uma bolsa e acredito que nada tenho a pagar. Acontece que o funcionário da alfândega mete sua mão dentro da minha bolsa e, para maior espanto meu, tira de dentro dois colchões inteiros".
A paciente casou-se durante o tratamento comigo. Antes de começar, tinha as maiores resistências ao casamento. A etiologia das resistências neuróticas só se tornou visível vários meses depois. Nesses sonhos iniciais não havia referência a ela. Os mesmos eram antecipações e previam as dificuldades que encontraria com cada um dos terapeutas.
Que esses sonhos sirvam para mostrar que muitas vezes eles são antecipações e que, se são observados por um enfoque puramente causalista, podem perder seu verdadeiro sentido. Eles dão uma informação inequívoca sobre a situação analítica, que, quando captada corretamente, pode ser do maior valor terapêutico.
O médico n° 1, ao identificar corretamente a situação, encaminhou a paciente ao médico n° 2. Nesta segunda tentativa, a paciente tirou suas próprias conclusões do sonho e resolveu deixá-lo. Devo dizer que a minha interpretação a decepcionou, mas o fato de que, no sonho, ela já havia atravessado a fronteira, ajudou-a decisivamente a perseverar, apesar de todas as dificuldades.
C. G. JUNG - AB-REAÇÃO, ANÁLISE DOS SONHOS E TRANSFERÊNCIA 16/2



Fonte: 

O INACESSÍVEL DEUS ALÉM DA IMAGO DEI

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas"Como se pareceria a Crítica da razão pura, de Kant, se traduzida para o imaginário psíquico de uma barata? E eu presumo que a diferença entre o ser humano e o Criador de todas as coisas é incomensuravelmente maior do que entre um ser humano e uma barata."

PERGUNTA: Em seu livro "Resposta a Jó" , p.463, o senhor diz o seguinte: "Já me perguntaram se eu acreditava ou não na existência de Deus que fiquei preocupado com a possibilidade de me considerarem um 'psicologista' num sentido mais amplo do que eu mesmo penso". E o senhor diz também: Evidentemente Deus é uma realidade psíquica e não física", mas tenho a impressão de que o senhor não respondeu propriamente à pergunta se acredita ou não na existência de Deus, sem considerar o aspecto do arquétipo. O SENHOR ACREDITA?

JUNG: Esta pergunta é importante porque gostaria de responder a uma espécie de objeção levantada por Glover em seu "Freud or Jung", p.163:
"O sistema de Jung é basicamente irreligioso. Ninguém deve preocupar-se se Deus existe, e muito menos Jung. Tudo o que é necessário é 'experimentar' uma 'atitude' porque isto 'ajuda' a pessoa a viver".
Um arquétipo - enquanto é possível constatá-lo empiricamente - é uma imagem. Como diz o próprio conceito, uma imagem é um quadro de algo. Um quadro arquetípico é como o retrato de um desconhecido numa galeria de arte. Seu nome, sua biografia, sua existência em geral são desconhecidos; supomos, no entanto, que o quadro retrate uma pessoa que já foi viva, alguém que teve uma realidade. Encontramos muitas representações de Deus, mas o original ninguém consegue encontrar. Para mim não há dúvida de que o original se esconde atrás de nossas representações, mas ele nos é inacessível. Jamais estaríamos em condições de perceber o original, porque deveria ser antes de mais nada traduzido em categorias psíquicas para torna-se de alguma forma perceptível. Como se pareceria a Crítica da razão pura, de Kant, se traduzida para o imaginário psíquico de uma barata? E eu presumo que a diferença entre o ser humano e o Criador de todas as coisas é incomensuravelmente maior do que entre um ser humano e uma barata. Por que seríamos tão imodestos a ponto de supor que poderíamos encerrar um ser universal dentro dos estreitos limites de nossa linguagem? Sabemos que as representações de Deus têm papel importante na psicologia, mas não podemos provar a existência física de Deus. Como cientista responsável não farei sermões sobre minha convicção pessoal e subjetiva, que não posso provar. Não contribuirei em nada para o conhecimento ou para a melhoria e alargamento futuros da consciência se fizer uma confissão de meus próprios preconceitos. Vou simplesmente até onde alcança minha mente, e seria imoral do ponto de vista de minha ética intelectual aventurar-me em opiniões que ultrapassam o horizonte de minha compreensão. Se eu dissesse "acredito em tal Deus", isto seria tão inútil quanto o primitivo dizer que há um poderoso fetiche dentro de uma latinha que encontrou na praia. Quando me atenho a uma afirmação que acredito poder provar, isto não significa que eu negue a existência de outra coisa que possa existir além dela. É pura maldade imputar-me uma atitude ateia só porque procuro ser honesto e disciplinado. Para mim pessoalmente, a pergunta se Deus existe ou não é descabida. Estou suficientemente convencido dos efeitos que a humanidade desde sempre atribuiu a um ser divino. Se eu manifestasse para além disso alguma fé ou afirmasse a existência de Deus, isto não seria apenas supérfluo e ineficaz, mas mostraria também que não baseio minhas opiniões em fatos. Quando as pessoas dizem que acreditam em Deus, isto nunca me causou a menor impressão. Ou eu sei alguma coisa, e então não preciso acreditar nela; ou eu acredito em alguma coisa porque não estou certo de saber o que seja. Estou muito satisfeito com o fato de conhecer experiências que não posso qualificar de numinosas ou divinas.
C. G. JUNG - A VIDA SIMBÓLICA 18/2

FONTE: 
C.G. Jung, o Velho Sábio

ARQUÉTIPO E REENCARNAÇÃO


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Os pitagóricos também conservavam a ideia de PALINGENESIA, reencarnação. Supunha-se que o próprio Pitágoras tenha rememorado muitas de suas encarnações. Essa é uma ideia que aflora ocasionalmente na análise. Talvez um sonho sugira a ideia de que a pessoa que sonha teve uma vida anterior. 
Há um exemplo notável desse fenômeno numa anamnese publicada recentemente. 
Uma mulher, através de sonhos e impressões da consciência vigilante, lembrou sua vida no século XIII na França como cátara, uma herege. Ela conseguiu lembrar exatamente acontecimentos específicos e pessoas do passado. Essa é uma experiência simbólica a ser levada a sério, mas não de maneira tão ingênua. Muito provavelmente, trata-se de uma experiência do inconsciente coletivo a que podem chegar psiques posteriores. Se alguém vive fora de determinado arquétipo, esse alguém pode inconscientemente identificar-se com outros que viveram até o fim esse mesmo arquétipo. Embora não tenhamos toda a anamnese, essa paciente, uma católica que, segundo nos disseram, foi excomungada, talvez por meio dessa experiência, tenha sido posta numa condição psicológica análoga à dos hereges do século XIII. Isso poderia dar a razão da identificação inconsciente com os cátaros, o que então sobreviveu no imaginário simbólico da reencarnação.

Edward F. Edinger - A Psique na Antiguidade - Filosofia Grega Antiga de Thales a Plotino

RETIRADO DA PÁGINA DO FACEBOOK, 



A PSIQUE SÓ NÃO ESTÁ ONDE UMA INTELIGÊNCIA MÍOPE A PROCURA


Resultado de imagem para PSIQUE
Retirado da Pagina do Facebook, C.G. Jung, o Velho Sábio

Não há dúvida alguma de que as neuroses provêm de causas psíquicas. Na realidade, é difícil imaginar que um transtorno possa ser curado num instante, mediante uma simples confissão. Mas vi um caso de febre histérica, com temperatura de trinta e nove graus, curada em poucos minutos depois de detectada, mediante confissão, sua causa psicológica. E como explicaríamos os casos de enfermidades físicas, que são influenciadas ou mesmo curadas pela simples discussão de certos conflitos psíquicos penosos? Presenciei um caso de psoríase, que se estendia praticamente por todo o corpo e
que depois de algumas semanas de tratamento psicológico diminuiu em cerca de nove décimos. Num outro caso, um paciente foi submetido a uma operação, por causa da dilatação do intestino grosso; foram extraídos quarenta centímetros deste último, mas logo se verificou uma considerável dilatação da parte restante.) paciente, desesperado, recusou-se a uma segunda operação, embora o cirurgião afirmasse sua urgência. Pois bem, logo que foram descobertos certos fatos psíquicos de natureza íntima, o um corpo de matéria sutil, pelo menos poder-se-ia dizer que intestino grosso do paciente começou a funcionar normalmente. Experiências deste tipo, nada raras, tornam muito difícil acreditar que a psique nada representa ou que um fato imaginário é irreal. A psique só não está onde uma inteligência míope a procura. Ela existe, embora não sob uma forma física, É um preconceito quase ridículo a suposição de que a existência só pode ser de natureza corpórea. Na realidade, a única forma de existência de que temos conhecimento imediato é a psíquica. Poderíamos igualmente dizer que a existência física é pura dedução uma vez que só temos alguma noção da matéria através de imagens psíquicas, transmitidas pelos sentidos.



C. G. JUNG - PSICOLOGIA E RELIGIÃO