sexta-feira, 5 de julho de 2019

O INACESSÍVEL DEUS ALÉM DA IMAGO DEI

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas"Como se pareceria a Crítica da razão pura, de Kant, se traduzida para o imaginário psíquico de uma barata? E eu presumo que a diferença entre o ser humano e o Criador de todas as coisas é incomensuravelmente maior do que entre um ser humano e uma barata."

PERGUNTA: Em seu livro "Resposta a Jó" , p.463, o senhor diz o seguinte: "Já me perguntaram se eu acreditava ou não na existência de Deus que fiquei preocupado com a possibilidade de me considerarem um 'psicologista' num sentido mais amplo do que eu mesmo penso". E o senhor diz também: Evidentemente Deus é uma realidade psíquica e não física", mas tenho a impressão de que o senhor não respondeu propriamente à pergunta se acredita ou não na existência de Deus, sem considerar o aspecto do arquétipo. O SENHOR ACREDITA?

JUNG: Esta pergunta é importante porque gostaria de responder a uma espécie de objeção levantada por Glover em seu "Freud or Jung", p.163:
"O sistema de Jung é basicamente irreligioso. Ninguém deve preocupar-se se Deus existe, e muito menos Jung. Tudo o que é necessário é 'experimentar' uma 'atitude' porque isto 'ajuda' a pessoa a viver".
Um arquétipo - enquanto é possível constatá-lo empiricamente - é uma imagem. Como diz o próprio conceito, uma imagem é um quadro de algo. Um quadro arquetípico é como o retrato de um desconhecido numa galeria de arte. Seu nome, sua biografia, sua existência em geral são desconhecidos; supomos, no entanto, que o quadro retrate uma pessoa que já foi viva, alguém que teve uma realidade. Encontramos muitas representações de Deus, mas o original ninguém consegue encontrar. Para mim não há dúvida de que o original se esconde atrás de nossas representações, mas ele nos é inacessível. Jamais estaríamos em condições de perceber o original, porque deveria ser antes de mais nada traduzido em categorias psíquicas para torna-se de alguma forma perceptível. Como se pareceria a Crítica da razão pura, de Kant, se traduzida para o imaginário psíquico de uma barata? E eu presumo que a diferença entre o ser humano e o Criador de todas as coisas é incomensuravelmente maior do que entre um ser humano e uma barata. Por que seríamos tão imodestos a ponto de supor que poderíamos encerrar um ser universal dentro dos estreitos limites de nossa linguagem? Sabemos que as representações de Deus têm papel importante na psicologia, mas não podemos provar a existência física de Deus. Como cientista responsável não farei sermões sobre minha convicção pessoal e subjetiva, que não posso provar. Não contribuirei em nada para o conhecimento ou para a melhoria e alargamento futuros da consciência se fizer uma confissão de meus próprios preconceitos. Vou simplesmente até onde alcança minha mente, e seria imoral do ponto de vista de minha ética intelectual aventurar-me em opiniões que ultrapassam o horizonte de minha compreensão. Se eu dissesse "acredito em tal Deus", isto seria tão inútil quanto o primitivo dizer que há um poderoso fetiche dentro de uma latinha que encontrou na praia. Quando me atenho a uma afirmação que acredito poder provar, isto não significa que eu negue a existência de outra coisa que possa existir além dela. É pura maldade imputar-me uma atitude ateia só porque procuro ser honesto e disciplinado. Para mim pessoalmente, a pergunta se Deus existe ou não é descabida. Estou suficientemente convencido dos efeitos que a humanidade desde sempre atribuiu a um ser divino. Se eu manifestasse para além disso alguma fé ou afirmasse a existência de Deus, isto não seria apenas supérfluo e ineficaz, mas mostraria também que não baseio minhas opiniões em fatos. Quando as pessoas dizem que acreditam em Deus, isto nunca me causou a menor impressão. Ou eu sei alguma coisa, e então não preciso acreditar nela; ou eu acredito em alguma coisa porque não estou certo de saber o que seja. Estou muito satisfeito com o fato de conhecer experiências que não posso qualificar de numinosas ou divinas.
C. G. JUNG - A VIDA SIMBÓLICA 18/2

FONTE: 
C.G. Jung, o Velho Sábio

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